Baú de Memórias #4 – Um passo antes da Meta

Pois então, a saga continua! Afinal, já são mais de 35 anos trabalhando, alguma coisa a gente tinha que fazer não é? Vamos a mais um passo profissional na construção da marca deste que vos escreve. Bora então?

Um passo antes da Meta
Lá estava eu, naquele escritório de contabilidade em meio a papelada, e lendo o jornal do dia. Queria outra oportunidade, melhorar salário, essas coisas que nos movem. Já estava namorando, precisava mais grana no bolso. Encontrei então um anúncio de emprego: precisa-se de auxiliar de escrita fiscal. Seu Norberto Rudnick, então meu patrão, disse-me “vai guri”. Eu fui. Era na extinta Elmo Contabilidade. Fui entrevistado por um dos sócios minoritários – depois fomos sócios, mas aí é outra história… – e depois pelo majoritário. Fui contratado! O escritório funcionava em uma casa bem antiga, de esquina, no centro de Joinville (SC), minha cidade natal.

Meu espaço de trabalho ficava no andar de cima, em uma pequena sala. Trabalhávamos em três ali. Era outono de 1989, e naquele ano votaríamos pela primeira vez em 25 anos para Presidente da República. Os debates eram acalorados. Lula, Collor, Covas, Afif, Brizola, Freire, etc. Gostava já daquela efervescência política, lia e ouvia de tudo. O Brasil voltava aos poucos a se encontrar com a democracia, as liberdades, o direito à cidadania plena. Tinha a nova Constituição, essa mesma que sequer regulamentamos de verdade até hoje. A Constituição Cidadã.

Em meio a isso tudo, fui aprendendo a fazer escrituração fiscal mais complexa, IPI, ICMS, contabilidade por lucro real, e outras coisas. Talvez por ser dedicado à missão que me davam, os sócios me chamaram para um novo desafio: assumir a chefia de um setor. Fiquei surpreso, mas como é da minha personalidade, aceitei. Chamava-se “Expediente”. Ali era o primeiro atendimento ao cliente novo, e manutenção dos existentes. Produziamos contratos sociais, preenchiamos aquela papelada burocrática toda para envio à Junta Comercial, Receita Federal e Estadual, Prefeitura… Tempos em que tudo era na máquina de datilografia, muito papel, carbono para as cópias (que é isso?).

Eu fui líder de três colegas, dois mais novos e um veterano. Um era o contínuo, o outro o motorista que levava e buscava a documentação nos clientes (era vip o troço já) e a outra era a auxiliar de escritório, muito competente. Ali já inovei. Havia um computador de mesa, mesa inteira mesmo (rsrs), e ninguém usava. Por que? Por não saber como… Treinei todos. Passamos a atender muito mais rapidamente o novo cliente. Assim enquanto os atendiam no térreo, nós já produzíamos o contrato social e levávamos para assinaturas. Uma mudança e tanto para a época.

Naquela oportunidade de vida, que ainda não era o que eu desejava, conheci pessoas importantes para o futuro profissional que tive, criei amizades que duram até hoje, 30 anos depois. Eram tempos de um Salvador Neto fumante, atleta de futebol e futsal, que contava os centavos para algum almoço, e que recebia a marmita feita pela mãe Isolde e levada pelo irmão Zeny Júnior (saudosa memória) todos os dias de bicicleta.

Naquele ano que consegui o emprego (1989) perdi meu grande amigo, meu pai. Elegemos o nosso primeiro Presidente da República pelo voto direto, Fernando Collor de Mello (meu voto não foi dele tá). Ali naquele emprego inovei ainda muito mais processos, e conheci de perto Florianópolis, Junta Comercial, cresci muito como profissional e ser humano. Naquele ambiente brotou também o primeiro empreendimento que fiz parte como sócio: a Meta Organização Contábil. No próximo capítulo conto mais.

** nunca gostei de contabilidade…mas de gente, sim, atender, sim… (rs).

Por Salvador Neto

Baú de Memórias #3 – Tinha um banco no meio do caminho

Vamos a outro capítulo da minha trajetória, na verdade uma passagem meteórica e relevante pelo conteúdo. Vamos lá?

Tinha um banco no meio do caminho
No capítulo anterior eu esqueci um trabalho meteórico que tive, e pulei direto para o escritório do seu Norberto Rudnick. Perdão pessoal, mas é que foi uma passagem rápida como um cometa, e dolorosa como dor de dente (que comparação…?!). Graças a uns amigos do futsal, que aliás eu jogava bem, consegui um emprego no Banco Mercantil de São Paulo. Auxiliar de escritório. Este sim, foi o meu primeiro emprego com carteira assinada, mesmo que fugaz.

Meu trabalho lá era pegar uma listagem gigante impressa naquelas folhas listradas de verde e branco – formulário contínuo… – onde estavam em tamanho minúsculo, nomes e números de documentos de cobrança. Chato pacas. Todos os dias entrava às 8h e saía às 14 horas. Bancário né, no tempo que empregos em bancos eram um status legal. Hoje em dia é só digital, caixa eletrônico, e pouquíssimos bancários em relação àquela época.

Tinha de andar arrumadinho. Calça de tergal, alinhada com aqueles vincos sabe (não sabe), camisa social, sapato preto brilhosão, cinto, essas coisas. Cabelo, claro, cortadinho… Na época eu tinha para cortar, e usava até gel para manter os fios alinhados. Eram tempos de economia em crise (novidade no Brasil né), 1987. Minha passagem no Mercapaulo não durou três meses. Nem a experiência! Já conto.

Preguiçoso? Vadio? Nada disso… Naquela época greves eram o que mais aconteciam no país recém saído da ditadura. Governo Sarney, inflação tão alta que os preços mudavam três vezes por dia. O povo com salários achatados, reaprendendo a gritar por direitos, parava mesmo. Os bancários então, fechavam agências com facilidade. Faziam piquetes, ninguém entrava para trabalhar sem discussão, empurra-empurra.

Jovem, querendo agarrar aquele trabalho, o primeiro com carteira assinada, tentei entrar para trabalhar. No primeiro dia, nada. No segundo idem, terceiro… Uma semana de greve. Saíram os piquetes, as faixas, podíamos voltar a trabalhar. Voltei até feliz para os meus formulários recheados de títulos para cobrança e protestos. Até que chamaram o novato para uma conversa.

Entregaram aquele papel. Aviso de demissão porque não havia comparecido ao trabalho, participado da greve. Nem tinha sequer parado em frente aos piquetes do sindicato, mas recebi um carimbo, o de demissão. Ficou a lição do lado. Sim, em qual lado você está entre o capital e o trabalho. Aprendi mais uma lição para a vida, e do lado que escolhi estou até hoje. Há coisas que não podem mudar, não mudam.

Voltei mais politizado ao Bar do Zeny, à limpeza do balcão, da calçada, dos copos, bater caixa no estoque, manter as bebidas geladas e a produzir sorvetes. Até que no início de 1988 fui aprender mais da vida com o seu Norberto Rudnick. O resto desta história vocês já leram na história anterior… Até a próxima!

Por Salvador Neto

Baú de Memórias #2 – Com o professor Rudnick

Seguindo no compartilhamento de minha trajetória profissional, vamos ao segundo capítulo, meu primeiro trabalho com carteira assinada em um escritório de contabilidade, com um contador das antigas… Espero que curtam:

Com o professor Rudnick
Após meu primeiro trabalho no Bar do Zeny, meu pai, consegui um emprego formal, estes com carteira assinada que na época era um luxo – havia muito desemprego na década de 1980. Aliás, hoje isso também é real, infelizmente, e ainda querem acabar com os poucos direitos que os trabalhadores tem. Aliás, aí está um desejo permanente dos comandantes do capitalismo, nenhum direito e todo o trabalho com a mínima remuneração possível. Cada um por si. Eles, que tem tudo, não estão nem aí com o trabalhador comum. Mas, seguimos.

Era um trabalho como auxiliar de escritório em um contador autônomo, o seu Norberto Rudnick, de saudosa memória. Ele era uma figura. Alto, muito magro, cara sempre fechada. Fumava muito, bebia até café frio, era duro e seco. Ensinava uma vez só. Aprendi.

Faturamento, cobrança, emitir notas fiscais, lançar as notas e despesas nos livros contábeis, atender clientes (ele vivia saindo, bebia uns cubas, e dormia atrás dos arquivos em um pequeno sofá) quando ele estava “ausente”, e até fazer os contratos de abertura de empresas e toda a papelada burocrática a ser preenchida.

Eram tempos de máquina de escrever – datilografia, sacou? Não? Pesquisa no google aí (rs) – calculadora de mesa, de fita, papel carbono, lançamentos contábeis à mão. Naqueles tempos passei a ir semanalmente a Florianópolis para abrir as empresas junto à Junta Comercial do Estado. Ia pela manhã, e graças a minha desenvoltura com os servidores, conseguia trazer os contratos registrados. Os clientes adoravam, e seu Norberto também.

Assim o escritório Franco Contabilidade (era quem assinava, porque o Rudnick não tinha o curso de contador) ganhava clientes a mais, e eu aprendia ainda mais a ser um profissional. O salário era baixo, mas ideal para quem vinha de receber alguma coisa só se pedisse muito ao patrão, no caso, o meu pai. Seu Rudnick tinha uma obsessão na época, conseguir o credenciamento para ser despachante do Detran, fazer os documentos de carros, carteiras de motorista. Dava muita grana este serviço.

O lobby dos despachantes, forte até hoje, quase o impediu de ter o sonho concretizado. Antes de eu sair para um novo trabalho, ele venceu e teve a sua credencial. Ficou feliz como uma criança ganhando o seu presente. Com este professor aprendi muito, e o conhecimento que conquistei foi importante para novos desafios profissionais anos depois.

Por Salvador Neto

Baú de Memórias – Do balcão de bar à comunicação

No mês de julho passado resolvi postar uma foto. Amigos começaram a pegar no meu pé, a questionar em quê eu estaria pensando. Eis que deu um estalo nesta cabeça rarefeita de cabelos: porque não contar a minha trajetória profissional? Aproveitar que estou pensando mesmo… Comecei a escrever as histórias, crônicas das passagens profissionais no meu perfil do Facebook. As pessoas gostaram! E agora quero publicar aqui no site todas elas para depois transformar, quem sabe, em livro físico, ebook, para motivar muitas pessoas que se sentem diminuídas por seus trabalhos.

Creio que ao contar o que já fiz para chegar até aqui, e nem cheguei a algum lugar (rs), posso dar alento a quem perde a motivação quando não vê seus sonhos realizados no tempo em que deseja. Vamos então ao primeiro capítulo? Aqui inclusive ele está mais robusto que lá no Facebook, segue o fio:

No Bar do Zeny
Hoje eu sou um profissional sênior na Comunicação, Gestão Estratégica de Projetos, Planejamento, Assessoria de Imprensa, mas também já fui um aprendiz. O balcão de bar do seu Zeny, meu pai, aos 15 anos de vida, foi minha escola de relacionamento público, atendimento, organização, controle, produção – sim, fui um sorveteiro – onde pude dar o meu primeiro passo no mundo do trabalho. Eram tempos de crise econômica, poucos empregos para experientes, imagine para um novato como eu. Quando existiam, a disputa era grande. Perdi vários deles.

Escrevo isso para motivar a quem pensa que não tem experiência por conta dos trabalhos que exerceu. É um engano, pois é aí que está a sua história… Não diminua o que a vida te deu, um aprendizado para sempre. Faça uma retrospectiva da sua vida, uma espécie de linha do tempo, para se perceber, e perceber também o quanto tudo foi importante na sua formação pessoal e profissional. A sociedade nos cobra status, carreiras perfeitas. Isso não é relevante, relevante é o que você faz com o que a vida te ensina.

No Bar do Zeny não tinha frescura não porque eu era filho. Todos os dias eu ficava das 8 da manhã às 18 horas atendendo. Entre um cliente e outro de pinga, cigarros, cerveja, doces, jogo do bicho, recebia mercadorias, vendedores, mantinha as geladeiras cheias, balcão limpo, varria a calçada e passava pano de vez em quando. Afinal, limpeza é fundamental em lugar que vende comida, etc. Meu pai ensinava sobre estoque, como cuidar das coisas, fazer as misturas das bebidas (rabo de galo, mentruz, losna, alecrim, butiá).

Quanto voltava das aulas à noite, ainda ia para o segundo tempo: fabricar sorvetes e picolés. Até fazer os seis baldes que cabiam no pequeno freezer da época, trabalhava até às 2 horas da madrugada. No outro dia, a rotina voltava. Atendi de pinguços profissionais à empresários com o mesmo problema, alcoolismo. Conheci gente com histórias brilhantes, e tinha paciência e carinho com os mais velhos que contavam suas histórias de vida, engraçadas, tristes, aprendizados que guardei para a vida.

Hoje entendo a importância que foi este meu primeiro trabalho. Aprender a ouvir, prestar atenção no outro, ser organizado, produzir o melhor possível, ter carinho no que se faz, ser dedicado, ter empatia. Podem até não acreditar, mas foram cinco ou seis anos em que trabalhei muito, foi meu laboratório para a vida que viria depois e eu sequer imaginava como seria. Me pai nunca pagou meu INSS, não tinha salário fixo. Quando precisava, pedia e chorava uma graninha, rsrs, e ele chorando, me dava. Foi assim que comecei minha trajetória.

Faça a sua linha do tempo. Assim descobrirá com atenção o que aprendeu e o quanto foi importante. E para quem está começando, aproveite todas as oportunidades, boas e ruins, para aprender. Um dia entenderás porque deves fazer tudo com dedicação e amor.

Por Salvador Neto.

Livro de Salvador Neto é base do documentário “O Retrato” que circula pelo país

Há quase 20 anos, que serão completados no mês de outubro próximo, um homem inocente teve a sua imagem indevidamente associada ao de um estuprador que atacava mulheres em Joinville (SC), sempre se locomovendo pela cidade com uma bicicleta. O caso foi denominado como o do “Maníaco da Bicicleta” pela mídia e polícia. Na ânsia política da época por dar um final ao pânico que se instalou na maior cidade catarinense, Governo do Estado criou a Operação Norte Seguro, colocando dezenas de policiais na busca pelo criminoso. Nesta corrida pelos holofotes de paladino da justiça, a polícia civil errou feio ao usar a foto de Aluísio Plocharski para manipular e transformar em “retrato falado” do suspeito.

A partir daí o tal “retrato falado” foi parar nas mãos da imprensa e mídia em geral destruindo a vida de Aluísio e sua família, mãe Marli e pai Ludovico, além da irmã Áurea que já era casada e vivia em Guaramirim. Até no Fantástico da Rede Globo sua imagem foi parar. Esta triste história real virou o livro “Na Teia da Mídia – A história da família Plocharski no caso Maníaco da Bicicleta” publicado em 2011, de autoria do jornalista Salvador Neto, que escreveu a história e seus desdobramentos, e Marco Schettert, que fala sobre o dano moral no caso. Salvador Neto conheceu Marli Plocharski em 2001, e dali surgiu a vontade de contar o drama vivido pela família e apontar erros éticos e de atuação tanto da polícia quanto da mídia.

FB_IMG_1586168357180-2 Livro de Salvador Neto é base do documentário "O Retrato" que circula pelo país

Desde que o livro foi lançado já foi base para novos estudos na comunicação e em faculdades de jornalismo no Brasil. Leonardo Kock, estudante de jornalismo no Bom Jesus/Ielusc, produziu um belo documentário baseado no livro Na Teia da Mídia, e deu o nome ao trabalho de “O Retrato”. Salvador Neto foi um dos entrevistados por Leonardo que hoje é repórter no jornal Vale do Itapocú em Jaraguá do Sul (SC) iniciando na carreira que é tão importante para a democracia, o estado democrático de direito e o direito à informação que a sociedade tem.

Bem produzido como trabalho acadêmico, “O Retrato” agora circula pelo país. Na semana passada foi objeto de reportagem do portal jornalístico “A Ponte” – www.ponte.org – focado em direitos humanos e segurança pública, e também no Yahoo onde o documentário também pode ser assistido em sua totalidade. Nos tempos que vivemos em que o jornalismo é atacado diariamente inclusive pelo presidente da República e seus seguidores, a democracia é ameaçada a todo instante não só no Brasil como no mundo, e movimentos fascistas buscam retomar o poder para instalar sua agenda autoritária, o jornalismo que informa e denuncia pode ajudar a barrar estes movimentos.

Trabalhos como “Na Teia da Mídia” tem o condão de ajudar no debate ético que deve prevalecer não só no trabalho dos jornalistas, na produção da mídia em geral, mas também na atuação do aparato policial do Estado, que precisa ter cuidados redobrados com a vida das pessoas. Importante também para motivar a estudantes de comunicação, direito, e agentes públicos de Estado para os cuidados que o seu trabalho tem para a vida das pessoas, para o bem e para o mal. Parabéns ao jornalista Leonardo Kock pelo belo documentário, que a sua carreira seja promissora e relevante para a sociedade.

Para a reportagem em A Ponte, clique aqui.

Para o vídeo no Yahoo, clique aqui.

Para adquirir o livro Na Teia da Mídia no formato E-book clique aqui.